Corps de l’article

Figure 1

“Aldeia”. Foto: Márcia Wayna Kambeba

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Estávamos vivos

Seguindo a missão

Descansando das guerras

Caminhando devagar

Resistindo com paciência

Povos e natureza, enlace milenar.

Corridas de toras,

Ritual de iniciação

Ensinos da natureza

Sabedoria de um ancião.

Flechas de taquara

Apontam para um caminho sem fim

Séculos de violências

Tenho pena do meu curumim.

Figure 2

“Menino Kambeba”. Foto: Márcia Wayna Kambeba

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Terras invadidas

Pela força e a ambição

Cegaram o homem de tal forma

Que ele não vê mais a cor

Nem a beleza da rosa

Sua vista é treinada para ver

Poder, ganância e dinheiro

Que geram fome, violência e desamor.

É tudo se transformando

Madeira virando dólar

Trator abrindo clareira

Liberação de garimpo ilegal

Gerando lucro, grana, no Brasil é real

Poluindo rios, lagos,

Envenenando cachoeiras.

Intimidação aos caciques

Morte de guerreiros

Estupros repetindo a invasão

Racismo ambiental

Trazem doença e vícios, ataque total.

Vivemos uma era do medo

De incertezas, desrespeito e confusão

Nossas aldeias estão vulneráveis

Novamente nossas flechas não combatem

A velocidade da munição.

E veio o ano de 2020

Uma pandemia tivemos que enfrentar

As aldeias não conseguiram evitar

Que a doença entrasse matando sem parar.

Muitos ajudaram

Outros cruzavam os braços

E de longe viam a cena passar.

“Terra para “índio”?

Nem um palmo vou liberar”

Frases de efeito pairam pelo ar.

Reduzidos mais uma vez

Nossos guardiões se foram de nós

Ficamos órfãos, lutos intermináveis

Rostos tristes, marcas de dor

Decorrente de genocídio, desamor.

O pajé com seu ritual

Pediu a cura para todo mal

Muitos com as ervas sarou ;

Outros, seus espíritos com um ritual encaminhou

Ao mundo ancestral.

Vi a aldeia virar um lamaçal

Pela devastação da garimpagem

Rios secos sem peixes

E eis que somos chamados de “selvagens”

Justo a nós que usamos da coragem

Para enfrentar os homens da grilagem.

Não permita Seneru

Que destruam a nossa floresta

Somos uma só ciência

Esse verde é o que ainda nos resta

Para respirar um ar mais puro

Combater o aquecimento global

Evite que as geleiras se derretam

Causando um grave impacto ambiental

Deixando nossas aldeias sem roça

Inundando nossas casas e terreiros

Proteja nossa biodiversidade

De seres violentos, forasteiros.

Quero ver meu curumim

Crescer em boa condição

Sentir o frio da mata

Nadar e beber água sem poluição

Mesmo sabendo que o nó que não desata

Vai ser dele um legado

E que ele terá de buscar novas estratégias

Para continuar defendendo a nação.

Figure 3

“Menino Kambeba”. Foto: Márcia Wayna Kambeba

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Por aqui continuaremos marcando nossa história

Nossa caminhada segue entre perdas e glórias

Obedecendo ao ritmo das águas,

A subida e a descida das marés,

A clareira na mata escura,

O canto da saracura,

A pegada da onça, a força dos pajés.

Estamos no século XXI

Precisamos fortalecer a fé

Em tempos de pandemia

União é sentir a dor do outro

O olhar perdido da criança

A dor do parto de uma mulher.

Terra Mãe!

Viver é pensar com equilíbrio

É ter pertencimento com o lugar

É sair da alienação

E ver que a natureza é um sujeito a ecoar.

Respeito, direito!

Vem! Protege o teu lar.

Na aldeia desde pequenos aprendemos

Que nossa vida está intrínseca a natureza

E um depende do outro,

Nós mais dela do que ela de nós.

Porque nessa relação

O homem tem causado danos irreversíveis ao ambiente

Enquanto que dele recebemos cuidado e proteção,

Sombra e alimento, cobertura do tapiri

Colo materno, acalanto já senti.

Vivemos a geração do consumismo

E o mundo caminha para o abismo

Da desgraça e destruição

Bancos de sementes se esvaziando

E a madeira cada dia tombando

Desaparecendo do cenário

No lugar prédios luxuosos exibem seus letreiros

Mexendo com o imaginário.

Quem tem quer mais

Nunca está saciado

Isso empobrece o banco da natureza

Que nunca fica cheio

Está sempre esvaziado

Não multiplica, não há tempo para abastecer

Porque a todo instante é saqueado

E não damos à deusa verde

Tempo para se restabelecer

Temos a ideia de que “a Amazônia é infinita”

“Inferno verde”,

Nela todo mundo habita.

Engana-se quem pensa assim

Amazônia é finita.

Onde está o direito de viver da biodiversidade?

Cansada, maltratada pelo mundo que a destrói

Corpo de mulher, alma feminina

Árvore purua, árvore menina.

Digo Não! Ao estupro da natureza

Por todos que abusam na certeza

De saciar sua vaidade, consumo exagerado

Onde poucos têm muito e muitos têm pouco

Enquanto não se criar pertencimento com o lugar

O país seguirá atrapalhado, atrasado,

Virando terra do rei do gado.

E os povos da floresta continuam a viver

Sem sossego, no medo, grilado.

Figure 4

“Aldeia”. Foto: Márcia Wayna Kambeba

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Os povos originários desde antes do contato têm buscado essa interação com a natureza procurando dar a ela cuidados essenciais para continuar fértil e próspera. Por anos nossos ancestrais faziam o que hoje se chama de compostagem: eles acumulavam cascas de alimentos, ossos de animais etc., o tempo se encarregava de trabalhar tudo aquilo e em seguida esse solo estaria bem adubado com um PH 6 equilibrado e propício para o plantio de árvores frutíferas. A esse solo mais tarde os pesquisadores deram o nome de “terra preta de índio”. Encontramos esse solo em muitas aldeias e nos arredores de sítios arqueológicos. Tudo isso é uma forma de mostrar como os povos indígenas buscavam maneiras de não agredir a TERRA MÃE, e sim usavam de estratégias para criar uma relação de cooperatividade, pois entendiam que cuidar da natureza é cuidar de si.

Nesse tempo pandêmico, as marcas da Covid-19 estão por todos os lados, e cada pessoa tem um relato para contar de medo, dor e luto. Temos situações em que mulheres que perderem filhos e que maridos acabaram adquirindo depressão. Parte dos sobreviventes da Covid-19 ficaram com sequelas da doença e alguns se recuperam, outros não. Há casos de indígenas que tomaram as 2 doses e mesmo assim adquiriram a doença e vieram a óbito. Tantas são as mazelas que nos afligiram nesses tempos.

Muitos foram os governantes que passaram pela Presidência da República, mas hoje enfrentamos um que a todo momento nos convida a um enfrentamento por conta das tantas maldades com as quais temos convivido. Por exemplo, nós combatemos a não demarcação de nossos territórios e a ausência de políticas públicas voltadas aos povos que vivem na aldeia e na cidade em relação à educação, à saúde e à moradia. Há falta de entendimento, de respeito e de simpatia.

A ideia de progresso tem mudado drasticamente a paisagem das aldeias e de seu entorno. Nosso alerta está sempre ligado para detectar pontos de desmatamento, de retirada de madeira ilegal, etc. Para essa tarefa, algumas aldeias contam com a ajuda da tecnologia em relação a aparelhos que possam apontar com maior rapidez e precisão essa informação, como é o caso do uso de drone, GPS e câmera filmadora e fotográfica para registro e obtenção de provas para denúncias. Viver hoje está difícil, mas não é impossível; resistir é preciso para deixar um legado para novas gerações. O genocídio não acabou, a violência não se dissipou, o contato a paz nos tirou, mas nos mostrou novas possibilidade de viver, século após século, nossa cultura no território do sagrado. Queremos e sonhamos com um amanhã em que rios estejam limpos de mercúrio e o solo não tenha cavas enormes causadas por extração de minério em terras indígenas. Queremos mogno, angelim, violeta e tantas outras árvores sagradas em pé, dando confiança de que teremos um ar puro para sobreviver. Desejamos sentir o cheiro de peixe no rio e vê-los pular na canoa saudando nossa presença. Precisamos saber que amanhã a natureza não será lembrança em um porta-retratos, mas que estará viva e presente para ser sentida por outras pessoas que hoje são crianças. É por essa riqueza que lutamos todos os dias.

E pedimos apoio de todos, independente se vivem no Brasil ou exterior. A alteração climática atinge a todos, do rico ao pobre, do pequeno ao grande. É preciso rever conceitos e descontruir velhos hábitos para adquirir outros melhores. Adote uma árvore, um rio ou um jardim e cuide dele com carinho. Valorize o canto do passarinho, seu vôo e seu ninho. Acompanhe de pertinho o presente que a vida nos dá. Viver é dádiva, mas precisamos saber cuidar da herança que temos com equilíbrio e sabedoria.